A arte revela-nos a realidade
A arte pode servir como propaganda do poder. Historicamente podemos constatá-lo na arte financiada pelos ricos e poderosos. Hoje ainda se mantém esta lógica, como se a arte vivesse de subsídios ou mecenato.
A arte hoje já não é a arte do objecto, já não é a arte enfiada em museus. A arte hoje saiu de um espaço-tempo limitado e libertou-se de uma etiqueta descritiva.
A arte é uma verdade universal, uma ideia, um desafio, acessível a todos. Podemos olhar para um desenho, um quadro, uma fotografia, ou ver um filme, ou ouvir uma peça musical, sem ir a um museu, a uma biblioteca, a um cinema ou a um concerto.
Mais, podemos produzir arte com novos instrumentos, nas paredes das cidades, nas ruínas de prédios desabitados, em espaços públicos.
A arte pode durar apenas uma noite, em lazer luminoso. Não deixar vestígios físicos, apenas impressões mentais e emocionais.
Uma arte esquecida, e agora reabilitada, é a arte popular, a arte que revela a cultura, as crenças e o modo de viver de populações, de comunidades.
Vemo-la, magnífica e exuberante, em capelas e igrejas. A complexidade do trabalho em pedra, da talha dourada, do mobiliário antigo. Sentimo-la nos temas musicais, nas vozes nasaladas, nos sons familiares do bombo, da flauta, do adufe, do cavaquinho.
E depois há a arte da consciência, a arte que intervém, que acorda, que abana, que mostra o que se passa por detrás da fachada, das palavras, do teatro político, em que o artista segue a sua própria consciência e preza a sua independência.
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A mensagem do Papa Francisco aos jovens
A mensagem mais importante do Papa Francico aos jovens foi, a meu ver, a de não se deixarem influenciar, manipular, dominar pelos adultos que escolheram o poder e a ganância. Que a sua lógica do ódio, da violência, da apropriação e da destruição não predomine sobre a convivência pacífica e a colaboração entre as pessoas, as comunidades, os países.
Para que um jovem aprenda a observar o mundo de forma real e não distorcida, ou mesmo delirante, e adquira a empatia com o outro, precisa de se libertar da dependência dos videojogos e do isolamento do mundo real, precisa de se embrenhar no mundo, conviver, colaborar em grupos e na comunidade.
É reconfortante ver como tantos jovens respondem de forma carinhosa e entusiástica ao Papa Francisco, como a sua presença os ilumina e desafia, como as suas palavras ressoam nas suas consciências.
Os jovens enfrentam hoje desafios enormes. Cabe-lhes escolher entre a insanidade financeira e política actual e um outro caminho saudável e fraterno, entre a apropriação dos recursos naturais e uma gestão sustentável e de responsabilidade partilhada, entre a nova escravatura e a qualidade de vida universal.
O Papa Francisco anima-os, desafia-os, inspira-os. Diz-lhes o essencial, vai directo ao assunto, não enrola, não mistifica. Os jovens percebem claramente o mundo que está a ser desenhado pelos adultos que detêm o poder. E é aí que são alertados para detectar os sinais da destruição e a escolher a vida.
O Papa Francisco não tem ilusões nem as alimenta. A realidade é por vezes cruel, de uma crueldade que não tem nome sequer, a lógica da morte e da destruição, um quarto fechado e escuro onde se tortura, um duche onde se gaseia, e isto continua a repetir-se na história humana, o mal em si mesmo, no genocídio ou no assassinato de pessoas ao acaso.
Detectar, sinalizar e isolar o apelo ao ódio e à violência é fundamental. No entanto, já repararam que só são identificadas e sinalizadas vozes de jovens alienados e religiosos delirantes? Então e as vozes de alguns políticos, altos reponsáveis, de quem pode iniciar um conflito bélico? Encontramos o apelo ao ódio e à violência em pessoas respeitáveis e a todos os níveis do poder político e financeiro.
É essa capacidade de ver a realidade sem ilusões que os jovens são desafiados a adquirir.
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O Papa Francisco e a visão da realidade
A caminho da Polónia o Papa Francisco fala aos jornalistas sobre a verdadeira guerra no mundo: a dos interesses financeiros, a das gritantes desigualdades sociais, a da voracidade na apropriação dos recursos naturais.
O Papa esclarece que a guerra não é entre religiões, esta afirmação é central para podermos compreender o que se passa actualmente no mundo, esta violência sem sentido contra pessoas comuns, este fascínio doente pela morte.
A insanidade que vemos acontecer em ataques isolados é da mesma raiz do mal presente na lógica financeira que espalha pobreza e fome.
É esta visão da realidade que o Papa nos traz uma vez mais. Um convite a observarmos atentamente o que se passa, um desafio a não nos deixarmos alienar pela informação propagada pelos media.
Que neste Jubileu da Misericórdia as pessoas comuns abram a sua consciência à visão da realidade e abracem a sua condição de cidadãos do mundo, de uma mesma humanidade.
Post publicado n' A Vida na Terra.
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Eleições presidenciais 2016: como distinguir a personagem da pessoa real?
Aqui iniciei a minha análise do perfil de Presidente que considerei ser o mais adequado à nossa situação actual.
Aqui revelei a minha alegria (e um certo alívio) com a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa.
E aqui comecei a analisar a campanha eleitoral, os debates na televisão, o comportamento dos candidatos.
E agora vamos então à forma de distinguir uma personagem de uma pessoa real:
1. A interacção: quando estamos perante uma personagem não nos sentimos à vontade, sente-se um espaço entre nós, uma barreira invisível, o olhar não é caloroso, acolhedor, não nos fita nem nos envolve, não há empatia nem proximidade; quando estamos perante uma pessoa real sentimos-nos imediatamente à vontade, o olhar sorri e acolhe-nos, há uma empatia e proximidade, identificamo-la como um de nós, como um velho amigo que voltamos a encontrar.
2. A mensagem: quando ouvimos a mensagem de uma personagem não há ressonância com a nossa vida, com o nosso quotidiano, não é para nós que está a falar, não há verdadeira comunicação, é como um actor num palco; quando ouvimos uma pessoa real falar sentimos uma ressonância com a nossa vida do dia a dia, fala connosco, há empatia e comunicação.
3. Os apoiantes: o grupo de suporte e de referância diz muito de uma personagem pois, tratando-se a personagem de uma construção, é o grupo que na realidade exerce influência e poder, a personagem molda-se a essa influência e poder, como um actor se molda ao guião, não há pensamento próprio; a pessoa real pode ter apoiantes mas não são eles que definem o seu pensamento, pode ouvi-los e trocar ideias, mas é autónomo.
E pronto, espero ter descrito as principais diferenças entre os candidatos. Não se trata, portanto, de ser de esquerda ou de direita, mas sim de perfil e de papel.
A escolha será entre uma personagem e uma pessoa real, qual é que preferem?
A escolha será entre a ambição de mais poder e o equilíbrio de poderes.
A escolha será entre o poder dos bastidores e o poder do seu exercício.
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A música e a vida: a realidade inconformista
A vida simples, as ruas das cidades, o trabalho e os sonhos alcançáveis neste mundo, esses são os temas de Bruce Springsteen. Os pés bem assentes no chão, uma energia invulgar, atenta, desperta, inquieta.
O lugar dos afectos nessa América inclui um dos seus símbolos, o carro. É o símbolo também de cidades inteiras, hoje quase abandonadas, dedicadas à indústria automóvel.
Bruce Springsteen é um dos rostos da América, o rosto da realidade vivida intensamente, concreta, genuína, inconformista.
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O poder da palavra
A palavra. Tem em si mesma o poder de seduzir, programar, iludir, manipular, habituar, hipnotizar. Crescemos a ouvir histórias, definições, normas, regras, sugestões, ordens, classificações. O banho da educação é cultural e fomos nele mergulhados até submergir. É difícil resistir a essa influência, forma-nos para sempre.
Mesmo que a nossa capacidade de observação infantil nos mostre as incoerências e as incongruências de algumas destas convenções inquestionadas culturalmente, tudo à nossa volta contraria essa observação individual. Mas se queremos viver de forma adaptada e integrada, acabamos por ceder a essa pressão cultural. Acabamos a valorizar a opinião generalizada, convencional, a norma, em vez da nossa própria observação. A terrível dependência da aprovação social.
O poder da palavra, pois. Temos de voltar a esse breve período anterior à programação para nos resgatarmos (identidade) e à nossa capacidade de observação (realidade). Há várias formas de o conseguir: calar a vozinha que nos acompanha a toda a hora com tarefas que a contrariam, ficar em silêncio e identificar todos os sons nocturnos, caminhar entre árvores procurando fazer o mínimo ruído, etc. Um exercício interessante é ligar a televisão e observar as personagens sem som, sobretudo os políticos e os comentadores: observar as expressões faciais, os movimentos na cadeira, o nervososmo nas pálpebras a tremer, os gestos com as mãos, etc. Evitar as rotinas diárias, efectuá-las numa ordem diferente ou de forma pouco habitual. Sair do carril. Ver de outra perspectiva.
Vantagens de recuperar a capacidade de observação individual e confrontá-la com a geral, a norma: agir de forma inteligente, alerta e consequente, em vez de ser suepreendido pelos acontecimentos. Antecipar-se aos acontecimentos. Em vez de continuar a reagir a estímulos externos, agir em função da informação filtrada e processada por si próprio. Conectar-se com as pessoas e as comunidades que o podem esclarecer sobre algum assunto. Pedir ajuda às pessoas e às comunidades certas. Obter melhores resultados. Preparar o futuro.
A palavra, as histórias, as versões dos acontecimentos, só distraem do essencial. Por trás da palavra está o manipulador, quem sabe o que quer e como o pode conseguir: o poder. Quem a utiliza sem critério é isso que pretende: vender uma ideia, entreter, distrair, iludir, ou mesmo enganar claramente.
E não é só a política e os interesses que serve. É a ciência quando se tenta susbstituir à religião ou servir interesses políticos e outros, servidos pela política. É a religião também, seja qual for, sempre que se serve da palavra como instrumento do poder. E a comunicação social, que serve a política e os interessas que a política serve, e a ciência como nova religião e a religião quando se transforma em política.
Exemplo: tem-se colocado a questão em termos de se acreditar em Deus ou não acreditar, em se ser crente ou ateu. Quem se baseia na sua própria capacidade de observação percebe desde logo que esta é uma falsa questão, e uma forma muito rudimentar de a colocar. Não há separações entre crentes e ateus. O que os separa é a palavra, as histórias, as diferentes versões dos acontecimentos. Todos estamos ligados a todos e a tudo de uma forma que não sabemos descrever. Só a sede de poder sobre outros pode entrar na fórmula que separa pessoas, comunidades, perspectivas.
Cristo Operário é um pequeno monumento construído nos anos 60, num local praticamente abandonado do interior da Beira Baixa. Na perspectiva mais benigna, esta representação de Cristo como um operário entre operários, foi construído numa intenção de valorizar um trabalho simples e de dignificar uma classe social, uma parte da comunidade. Podia ter ficado esquecido no tempo, podia estar agora em ruínas, mas foi reabilitado culturalmente pela comunidade que ficou por ali. Quando penso em Cristo é aquele monumento que vejo, entre cedros e pinheiros. O que fica não é a palavra, mas a acção, o gesto, a decisão, a responsabilidade.
No filme Phenomenon, são as árvores ao vento que sossegam o nosso herói perturbado, com a mente sobrecarregada de perguntas por responder, de curiosidade por todos os mistérios, de novas ideias:
Que esta Páscoa nos venha recuperar a capacidade de observação original, anterior à palavra, e a percepção de uma realidade que não precisa de se afirmar para se conhecer e sentir, a clara sensação de estarmos ligados a todos e a tudo.
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Do Baú:
Tenho medo desse sol que me cega
que torna brancas e nuas todas as coisas
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...
O palco foi desmontado
e o cenário era de cartão pintado
E as pessoas que dali saíram
apanharam um autocarro
que em vez de andar para a frente
andava para trás
mas ninguém parecia reparar nisso
E na primeira paragem
lá estavam mais pessoas
estranhamente quietas
estranhamente silenciosas
e ninguém parecia reparar
que o autocarro andava para trás
e não para a frente
Pensei estar a sonhar
mas era mesmo assim
e o autocarro continuava
a sua marcha ao contrário
e ninguém parecia reparar nisso
Quando me apeei
por estar ali a mais
vi um grande espaço
e estava tudo em obras
mas não havia ali pessoas
as pessoas não faziam parte
daquele cenário
Tive de me desviar de obstáculos
até encontrar um caminho
mas não havia ninguém
a quem pedir informações
É agora que vou acordar
disse a mim própria
mas estava estranhamente acordada
como nunca antes
em toda a minha vida
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...
A maior parte dos homens vê nas mulheres
apenas a ideia que construiu delas
primeiro a imagem exterior, a que ficam presos durante muito tempo
depois, certas características
mas sempre desligadas umas das outras, como colagens
a ternura, a sensualidade, a inteligência (esta mais raramente)
Em vez de mostrar aos homens as alternativas a esta ilusão
como o lado real da vida, o que realmente conta e perdura
as mulheres resolveram aderir ao lado aparente da vida
das coisas provisórias e precárias
abandonaram a sua alma feminina, mais universal e tolerante
para seguir a alma da conquista de um território
Um dia vão querer retomar o caminho de volta
ao mundo das coisas reais e verdadeiras
mas já estará tudo minado
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...
O homem prefere a ficção à realidade
Entre a ficção e a realidade, escolhe a ficção
A evolução humana, a história de uma construção de histórias
por cima da realidade
No meio desses construtores de histórias
aparece um ou outro demolidor de histórias
Retiram camadas e camadas de histórias
e fazem-no da forma mais inteligente possível
Amamos esses autores que construíram
a partir da realidade e não da ficção